"Andar de bicicleta, em uma ciclovia curva e que leva nada a lugar nenhum, somente pelo lazer e desfrute, pode ser um hábito saudável e uma forma de desligar do dia-a-dia e do corre-corre.
Mas a bicicleta possui um poder e um simbolismo maior para muitos. Usa-la tem sido, para muitos, uma forma central de resistência, de crítica e de anúncio. Com ela se resiste a sucumbir à cultura auto-destrutiva do automóvel, com ela se estabelecem críticas à sociedade da aparência e da sensação de poder que se tem em montar em um carro e sair por ai com a atitude de dono do mundo, isolado do resto da criação. E com ela se anuncia um outro mundo possível, à mão e disponível para começar a ser vivido já. Ela traduz um jeito de ser e viver, um determinado reencontro com a humanidade e traz a possibilidade de voltar a enxergar os que estão ao lado. Ela é, como dizia Ivan Illich, o veículo da revolução, que se faz nem tão rápida como a pretensão do automóvel, nem tão lenta como a marcha a pé, mas “preferencialmente sobre duas rodas”.
Uma das pessoas que recentemente mostrou esse poder da fraqueza tendo como símbolo a querida 'magrela' foi Claudio Hugo “Pocho” Lepratti (27/02/1966 – 19 de Dezembro de 2001).
Conhecido como o “anjo da bicicleta”, este ativista foi morto em Rosário, Argentina em meio aos protestos que marcaram a grave crise que aquele país passou e que teve seu cume com a renúncia do presidente La Rua, naquela mesma semana de 2001.
Há somente 7 anos atrás a população argentina enfrentava desemprego de mais de 50% de sua população. Fome e miséria faziam parte da realidade de muitos, e como sempre nesses casos, quem mais sofre são as crianças, que têm seu presente oprimido e seu futuro roubado, e os velhos, que têm seu passado desrespeitado.
Em meio a esse quadro, um jovem professor de filosofia, um assumido teólogo de rua, um cristão comprometido com a causa do pobre, subia na sua bicicleta e dava de comer, para a alma e para o corpo, a meninos e meninas do bairro pobre, da “Villa Miseria” onde decidiu viver para servir. Eis aqui sua história breve.
Lepratti nasceu em Concepción del Uruguay, Entre Ríos, e estudou direito entre 1983 e 1985, enquanto ao mesmo tempo era um colaborador dos Salesianos de Dom Bosco. Depois disso ele entrou no seminário salesiano Ceferino Namuncurá em Funes, Santa Fe, como irmão cooperador. Ele estudou filosofia e se tornou professor.
Os estudantes do seminário eram levados a visitar lugares próximos com a finalidade de entrar em contato com a realidade do dia-a-dia dos pobre e com eles trabalhar. Lepratti acabou pedindo para estender esta prática para um constante trabalho entre os pobres, mas seus superiores disseram que ele precisava manter seus votos de obediência e se manter estudando. Devido a isso, após 5 anos ali estudando ele decidiu deixar o seminário e foi viver em uma favela, ou “Villa Miseria”, no Barrio Ludueña, Rosário.
Na paróquia liderada pelo padre Edgardo Montaldo, ele criou e coordenou um número grande de grupos de crianças e jovens, organizou excursões, ateliers, etc. Além disso, ele trabalhou como auxiliar de cozinha nas instalações que proviam comida para as crianças pobres da favela, e ensinava filosofia e teologia na escola paroquial.
O ASSASSINATO
No fim de 2001, a Argentina estava chegando ao máximo de sua crise econômica, marcada por recessão e desemprego extremo. Em 18 de Dezembro, distúrbios, saques e protestos tomaram o país, chegando até à grande Buenos Aires. O Presidente Fernando de la Rua ditou um estado de emergência, suspendendo as garantias constitucionais, e começou uma forte repressão.
Lepratti vivia na 'villa miseria' em Ludueña mas fazia trabalho voluntário diário em uma escola no 'Barrio Las Flores', no sul de Rosário.
Em 19 de Dezembro, a polícia de Santa Fé cercou a área da escola para sufocar um protesto que estava crescendo, com piquetes e bloqueios em avenidas próximas. Lepratti e dois outros membros da equipe subiram ao teto da escola para avaliar a situação, e em meio ao tiroteio, eles começaram a gritar para a polícia pedindo o cessar-fogo, dizendo: “Não atirem, aqui só tem garotos comendo”. Naquele momento, um projetil de chumbo de uma calibre 12 partiu da marma do POlicial Ernesto Esteban Velázquez e atingiu Pocho na traquéia, o que o levou a morrer antes de chegar ao hospital.
Pocho fazia tudo isso montado em sua bicicleta. O meio de ir e vir que permite olhar no olho, ver a face, cumprimentar e ser humano. E que ele usava para ir longe e se manter próximo.
Sua morte foi um marco para três movimentos: o de mobilidade urbana, o de compromisso com os pobres e o de comunidades cristãs de base. O símbolo de uma bicicleta alada se espalhou, um
anjo subiu em duas rodas e passou a inspirar outros.
Leon Gieco gravou um clipe com a música “angel de la bicicleta”, que você pode assistir aqui abaixo. Poemas, jornais, e a massa crítica em Buenos Aires tem nele uma de suas inspirações; a biblioteca Pocho Lepratti virou um marco no movimento social em Rosário. Mercedes Sosa vai gravar a canção em breve e um documentário ( estou trazendo para o Brasil em algumas semanas), POCHORMIGA, conta sua história.
E era isso, ele fazia um trabalho de formiguinha, parecia nada, mas aqui estamos nós, discutindo sua vida, exemplo e morte. Mais um santo do dia, mais um anjo, fazendo a revolução, em cima de duas rodas.
Assim, como uma formiga, cada um de nós pode fazer mais com nossa vida e com nossa energia do que entrar no carro e crer que o maior problema de nossa vida é o engarrafamento."
vídeo:
El angel de la bicicleta
leia também:
O anjo da bicicleta
-.-.-.-.-.-
Um comentário:
pois bem, amizade é algo que surge quando a gente intenciona ter e quando faz algo nesse sentido. então comecemos.
Meu primeiro passos é colocar seu blog na lista dos meus indicados...
em breve mais dois textos: POr que na rua com Deus e Panelas de teflon.. no ar esta semana.
Aguardo novo email seu
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