sexta-feira, 2 de maio de 2008

Uma vida e um manifesto

O 4º Estado - Giuseppe Volpedo

Ontem, 1º de Maio foi o Dia da Trabalhadora e do trabalhador: dia de luta/memória e protestos em todo mundo. Em nossa cidade, palco de festas ( Interlagos e Campo de Marte) e palanque para candidatos à prefeitura. A palavra de ordem, geral foi: redução da jornada de trabalho para 40 h semanais.
Nenhuma palavra sobre os 2/3 da humanidade que vivem na miséria; 1/3 que nada comem; Sem mencionar os quase 25% sem água potável; Realmente os shows sindicais que reuniram quase 10 milhões de trabalhadores foi um sucesso de público!!!
Na véspera do feriado, tragicamente, às 23h15 ( 30/04) o ajudante geral Nelson N. Anísio(32 anos) , que voltava para casa com sua bicicleta, depois de uma comemoração com colegas, foi atropelado por um motorista (sic!) que trafegava pela Av. Eng. Caetano Álvares ( z. norte/bairro do Limão). O motorista de apenas 22 anos ( sem a carteira de habilitação), dirigia o veículo a uma velocidade de 60 km/h ( sem o lincenciamento veicular desde 2003), foi indiciado por homicído culposo - sem intenção de matar ( o veículo foi apreendido pelos policiais). Ler o resumo de uma notícia, só nos deixa indignados. Mais um trabalhador morto na grande cidade, é somente um anônimo? Não, ele tem nome, idade e profissão. Como bem sugeriu um ciclista: uma homenagem, uma bicicleta branca, no cruzamento da Avenida.

Além da homenagem que desejamos realizar, só me vem à mente, o Manifesto Ciclista, que reproduzo abaixo um trecho:

"Vários ciclistas são feridos e mortos todos os dias no trânsito de nossas cidades. A necessidade de combater esse fato é clara para quem respeita qualquer vida.

Mas não é de qualquer vida que falamos.

Percebam que todos tem necessidade de transportar-se cotidianamente. As atividades da vida – estudar, trabalhar, comprar, passear, etc. – exigem transporte. Transporte é uma necessidade básica da vida moderna tão importante quanto água encanada e eletricidade. Então, de uma forma ou de outra, todos vão ter que se transportar.

Em cima de uma bicicleta trafega uma pessoa que optou por utilizar energia própria para se transportar. Alguém que, pelo menos naquele momento, não está contribuindo com a grande obra da raça humana de transformar cotidianamente bilhões de litros de petróleo em toneladas de monóxido de carbono emitidas na atmosfera.

Essa pessoa está diminuindo os gastos com saúde pública porque combate a “falta de exercícios físicos regulares”, apontada como a principal causa dos males modernos, como infarto, derrame, diabetes, câncer, estresse, depressão, etc, etc., etc. O ciclista é alguém que coloca em prática a tão falada utilização da biomassa como fonte de energia, diminuindo estatísticas que apontam cerca de 40% da população com excesso de peso por ingerir muito mais energia do que gasta.

A pessoa que passa andando na rua de bicicleta é alguém que está fazendo bem ao mundo e a si mesma. Com esforço próprio combate a poluição e o aquecimento global na prática, sem discursos panfletários, sem levantar bandeiras, sem querer impor nada a ninguém, ela está contribuindo para melhorar o ar que todos respiram hoje e o clima do planeta para as futuras gerações.

Diante desse entendimento percebe-se o quanto é inconcebível que um outro ser humano, num automóvel, simplesmente atropele um ciclista. Recentemente acompanhei de perto um caso em que um caminhão ao ultrapassar uma bicicleta encostou com a roda da frente no guidão, derrubando a ciclista – uma jovem de 23 anos - e passou por cima dela com a roda de trás, resultando em morte instantânea. É um absurdo!

Mas, atenção motoristas! isso não é uma declaração de guerra. Pelo contrário: é de paz! Porque a idéia é que todo mundo possa deixar seu carro em casa quando sentir vontade e possa andar de bicicleta sem colocar sua vida em risco. Também acredito, como ciclista, que nenhum motorista quer nos atropelar. Então o que há de errado? Por que isso, infelizmente, acontece diariamente?

A resposta exige que paremos para pensar um pouco. A quem interessa uma política e uma cultura que prioriza as vias de transporte para veículos automotores? Qual será a influência da indústria automobilística nas decisões dos governos e conseqüente direcionamento de recursos para infra-estrutura que atende a nossa necessidade de transporte? E no inconsciente coletivo das pessoas? Já parou para pensar que, desde que você começou a assistir televisão na sua vida, você vê quase todos os dias uma propaganda de carro? Que a idéia de que “quanto mais for feito pelo automóvel, melhor” é um consenso forçado pela mídia e pelas instituições financeiras, alegando que a economia do país irá parar se a indústria automobilística diminuir sua sempre crescente demanda de consumo?

Com propostas simples e baratas pode-se aumentar consideravelmente as condições de segurança do ciclista e se promover o incentivo ao uso da bicicleta, como a construção e reforma de acostamentos, instalação de placas de sinalização, criação de ciclofaixas e ciclovias, construção de bicicletários em terminais de ônibus, trem e metrô, campanha publicitária de conscientização de motoristas de ônibus e caminhões, etc.

Pesquisas indicam que oitenta por cento dos percursos feitos no transporte de pessoas por veículos automotores dentro das grandes cidades são, em média, de menos de sete quilômetros. Um ciclista amador, sem muito preparo físico, percorre essa distância no máximo em meia hora. Ou seja, a imensa maioria das pessoas pode prover seu transporte diário utilizando somente a bicicleta, gastando de uma hora à uma hora e meia de seu tempo por dia. Centenas de pessoas já gastam essa energia em academias de ginástica, andando em esteiras ou pedalando em bicicletas ergométricas! Milhares de pessoas já perdem esse tempo presas em seus automóveis enfrentando engarrafamentos.

Será que existe algum temor dos governos ou das indústrias automobilísticas em se implantar uma eficaz política de utilização da bicicleta como meio de transporte cotidiano? Será que é por isso que não se sensibilizam com os acidentes, que não se cria uma jurisprudência de punição aos casos de atropelamento, que, apesar de sempre reafirmarem o discurso de favorecimento às massas menos privilegiadas, os políticos não efetuam obras mínimas que iriam beneficiar principalmente os que tem poucos recursos e querem se transportar da maneira mais econômica que existe, sem depender de ninguém? Será que só quem tem carro pode ter a sensação de valorização que sente quem sai da porta de sua casa e chega na porta de seu destino utilizando meio de transporte próprio? Será que a bicicleta não seria uma ótima opção para os pais irem buscar seus filhos na escola, melhorando o trânsito na frente das escolas e aproximando pais e filhos pelo prazer de andar de bicicleta? E para ir de casa para o trabalho, para escola ou para fazer compras?

A bicicleta não atrapalha o automóvel na ocupação de espaço nas ruas e avenidas. Pelo contrário. Lembrando que de uma forma ou de outra todos tem que se transportar, conclui-se que cada motorista que deixa seu carro em casa e sai de bicicleta abre espaço nas ruas, tanto quanto é a diferença entre o espaço que ocupa um automóvel e uma bicicleta. Se centenas, milhares de pessoas fizerem essa opção, o espaço aberto será enorme, muito maior do que aquele que se consegue gastando fortunas do dinheiro público com ampliações de avenidas e construção de elevados. Considerando-se as pessoas que não tem automóvel e decidem trocar a humilhação a que o transporte coletivo as submete pela dignidade de se auto-transportar de bicicleta, seria razoável afirmar (supondo a média diária de passageiros por viagem e o fato de muitas pessoas utilizarem duas conduções para chegar a seus destinos) que a cada trinta pessoas que fizerem essa opção se tornará desnecessária a circulação de um ônibus. Podemos considerar ainda, o enorme ganho de espaço gasto nas ruas com o estacionamento dos automóveis que ficariam em suas garagens.

Assim como acontece com o espaço na malha viária, a bicicleta não concorre com o automóvel na ocupação de espaço no mercado consumidor, prejudicando a economia. Pelo contrário. O incentivo ao uso da bicicleta abre um novo e promissor mercado de trabalho, na indústria, no comércio e nas microempresas caseiras abertas como oficinas de manutenção. O automóvel é uma invenção humana maravilhosa que sempre vai ter seu lugar e sua necessidade. Se você tem condições de comprar e manter um automóvel, ótimo! Mas, que tal poder sair de casa de bicicleta um dia ou outro? Ou saber que seu filho pode andar de bicicleta pelas ruas sem correr perigo de vida? Que tal economizar um pouco dos gastos mensais com combustível, fazer bem à própria saúde e preservar seu automóvel? Está com preguiça de andar de bicicleta hoje? Ótimo, vá de automóvel! E se houverem vários ciclistas nas ruas, o trânsito estará, sem dúvida, melhor para você trafegar com seu veículo.

E mesmo que não seja o caso de economizar. Vamos supor que você seja uma das pouquíssimas pessoas que tem recursos para comprar e manter um, dois, três automóveis. Ótimo! Parabéns para você. Isso sem dúvida é resultado de esforço seu ou das pessoas próximas a você. Mas, as condições financeiras que permitem essa posse também permitem um maior desenvolvimento da capacidade de reflexão e visão do mundo e dos motivos que o levam a estar como está. Permite perceber, por exemplo, que a Guerra do Iraque está totalmente associada ao petróleo. Que o poder que o petróleo tem é dado por nós quando o consumimos e quanto mais o consumimos mais poder ele tem. Que o petróleo é um recurso natural finito, demorou milhares de anos para maturar-se no subsolo e estamos consumindo-o desenfreadamente, pouco nos importando com as próximas gerações, nem em termos da sua sobrevivência energética, nem em termos das condições ecológicas que preparamos para elas. Que estamos, com isso, imitando e obedecendo diretrizes de consumo, não só de petróleo como de tudo mais, impostas pela mesma linha ideológica que não assina o Protocolo de Kyoto para não diminuir a marcha sempre crescente da sua economia. Acho difícil para uma pessoa esclarecida não perceber que, no fim das contas, quem está sendo consumido compulsivamente é o próprio Planeta Terra. Respeitar o ciclista que anda nas ruas significa associar-se a ele na luta contra tudo isso. Nesta revolução não é necessário que todos andem de bicicleta, mas é necessário que todos contribuam para melhorar as condições de segurança de quem quer andar de bicicleta.

Há pessoas que andam de bicicleta por falta de opção financeira e há pessoas que andam de bicicleta por absoluta opção ideológica! A questão é de mudança cultural, revolução de costumes. Não é mais tempo de pegar-se em armas para fazer revolução. Ninguém quer ver a si, aos amigos ou parentes, preso, morto, sumido ou torturado. O que fazer, então, se a necessidade de fazer alguma coisa contra esse estado de coisas nasce clara na alma das pessoas, principalmente dos jovens, que não tendo como dar vazão a essa ânsia, transformam-se em rebeldes, direcionando sua revolta para o vandalismo e o banditismo? A bicicleta é uma revolução social, econômica, política e ideológica possível aqui e agora!

Quando vejo nas grandes avenidas das grandes metrópoles, centenas de automóveis indo na mesma direção, a grande maioria com apenas um ser humano dentro, com sua atenção tomada pela responsabilidade de dirigir, caminhando lado a lado com outros seres humanos hermeticamente isolados uns dos outros dentro de suas “caixinhas” móveis sem se comunicar, penso no quanto isso poderia ser diferente. Existem tantas outras possibilidades mais interessantes, mais socializantes, mais prazerosas, mais econômicas e menos poluidoras para atender a necessidade humana de transporte. Se tivéssemos dado prioridade a um sistema de transporte coletivo bom, confortável e de preço razoável, poderíamos ter direcionado os recursos gastos na construção e manutenção da imensa malha asfáltica para a construção de uma imensa malha ferroviária e metroviária. Mas, infelizmente, estamos no mundo do “se”, quando falamos de transporte coletivo decente. Temos, então, que usar de criatividade para acharmos uma opção de transporte mais prazerosa, socializante, econômica e menos poluente com as condições que temos! Temos o que temos e não adianta apontar o dedo sempre para o “sistema”. A bicicleta é uma possibilidade real de começarmos a agir já! Já existe legislação, já existem ruas, avenidas e estradas, já existem bicicletas e já existe a necessidade urgente de fazermos alguma coisa para melhorar as condições de vida humana neste planeta para nós e para as futuras gerações.

A bicicleta é um invento da mesma geração que inventou o automóvel. Ambos veículos desenvolveram suas tecnologias ao longo do séc. XX. A principal diferença entre eles é a questão energética, no que diz respeito ao rendimento dessas máquinas e na sua fonte de energia.

Cerca de 85% da energia consumida por um automóvel é gasta para transportar a ele mesmo.

Durante milhões de anos de evolução o ser humano foi desenvolvendo e aprimorando a capacidade de se equilibrar e deslocar sobre dois apoios, até se tornar o animal de melhor rendimento em toda natureza no que diz respeito ao gasto de energia para deslocamento sobre a superfície terrestre. Foi andando que o ser humano se espalhou pelos quatro cantos do mundo. É óbvio que não somos os que atingem maior velocidade, mas somos os animais que menos gastam energia – andando gastamos somente 0,75 calorias por grama de peso por quilômetro percorrido, num tempo médio de dez minutos. A bicicleta é uma invenção que utiliza esse movimento humano típico e super-especializado de empurrar o chão para baixo e para trás a que chamamos “andar”, para gerar energia em um veículo de transporte. Andando de bicicleta o ser humano se torna o animal de maior rendimento e desempenho, atingindo índices inimagináveis para qualquer outra máquina ou estrutura biológica – gastamos somente 0,15 calorias por grama de peso por quilômetro percorrido, o que fazemos num tempo médio de 3 minutos. Um casamento perfeito entre biologia e tecnologia.

Na bicicleta dependemos de energia própria, não há, portanto, concorrência entre as pessoas que buscam transportar-se, pelo contrário, ao nos unirmos com outros seres humanos ganhamos incentivo para ir mais longe.

O automóvel depende de energia externa, limitada e não-renovável, o que gera concorrência entre os que dela dependem. O automóvel é um dos melhores símbolos físicos da ideologia capitalista. Os slogans de suas propagandas trabalham sempre com termos como mais potente, mais veloz, maior em sua categoria, mais econômico, mais bonito, mais robusto, mais confortável, etc., etc., etc.

A modernidade diminuiu o tempo de comunicação e de transporte. Criou-se uma falsa ilusão de que esse movimento tem que ser sempre crescente para ser melhor. Estamos nos entupindo com veículos velozes que não tem espaço para andar. Chegamos a um ponto em que um veículo menor em tamanho e velocidade, como a bicicleta, tem melhores condições de se locomover e gasta menos tempo.

Poucos sabem ou se lembram que o código brasileiro de trânsito, assim como a maioria das legislações sobre o trânsito no mundo todo, determina que o automóvel dê preferência à bicicleta nas ruas e avenidas. Ou que a distância mínima, prevista pela lei, para ultrapassar uma bicicleta é de 1,5 metros e caso não haja condições de ultrapassagem respeitando essa distância mínima, o automóvel deve aguardar, pois a bicicleta não pára o trânsito, ela é o próprio trânsito naquele momento. Na grande maioria das ruas a bicicleta trafega em velocidade acima da mínima legalmente permitida para os próprios automóveis (que é exatamente a metade da máxima apontada nas placas). Quero dizer com isso que as condições legais para utilização da bicicleta já estão garantidas. Trata-se mais de começarmos a respeitá-las, de criarmos uma cultura onde a bicicleta tenha seu espaço assegurado, do que ficar lutando contra governos ou esperando soluções dadas por alguém externo a nós.

Agora, que não se iludam os que querem começar a utilizar a bicicleta para transportar-se: vão entrar numa guerra! Uma guerra que já está sendo travada nas ruas e que deixa centenas de mortos e feridos todos os dias. Não uma guerra contra os motoristas e os automóveis (repito), mas uma guerra contra uma ideologia. Andar de bicicleta é lutar contra um sistema que associa respeito a posse e exibição. Lutar através de atitude própria, pela ação direta, cotidiana, pelo ato de pedalar em si, pela força da humildade num mundo de ostentação.

Como em toda guerra, a sobrevivência depende das estratégias que elaboramos. O ciclista deve se equipar com tudo que possa diminuir a possibilidade de acidentes e que esteja ao seu alcance providenciar: espelho retrovisor, reflexivos e iluminação pisca-pisca para noite, capacete, buzina, etc. Não adianta bater de frente com os automóveis, mas deve-se ocupar o espaço que é do ciclista, porque ele existe e é um direito seu ocupá-lo. O ciclista também paga os impostos que construíram e que fazem a manutenção da malha asfáltica.

O ritmo frenético do trânsito nas grandes cidades é mais uma mania do que uma necessidade. Uma mania que acaba custando muito mais, não só em acidentes como no próprio estresse que gera, do que o pouco tempo que se economiza com isso. O aumento da circulação de bicicletas nas ruas pode baixar um pouco esse ritmo alucinante que está a serviço de quem associa tempo a dinheiro e não à vida. Cabe a bicicleta trazer mais humanidade ao trânsito, andar numa velocidade em que se possa ver as pessoas e as coisas do mundo, sem tratá-las como externas a nós.

A luta do ciclista é contra a ideologia que dá prioridade máxima ao automóvel - a locomotiva histórica do sistema capitalista. Mas, apesar de estarmos lutando contra um sistema econômico-social, são as pessoas, influenciadas pela educação e adaptação ao modo de pensar desse sistema que tomam as atitudes cotidianas que enfrentamos no trânsito. De certa forma, não existe esse tal “sistema”. Ou seja, ele existe através das atitudes das pessoas. A ideologia do sistema, o conjunto de idéias compartilhadas, é imposto pela educação e depois é mantido como verdade aceita através de muita propaganda. Mas… como tratam-se de atitudes pessoais, de individualidades representando o sistema, de seres humanos repetindo padrões de conduta, esse sistema pode ser modificado também por atitudes, pelo exemplo contrário ao estabelecido.

Os ciclistas que enfrentam hoje o trânsito das cidades são pioneiros abrindo o espaço para o futuro. Foi-se o tempo em que a rebeldia revolucionária era representada pela moto. Ciclismo é sinônimo de saúde e juventude, indiferentemente da idade. A melhor estratégia para essa luta é conseguir mostrar o quanto é bom andar de bicicleta. Criar uma irmandade entre todas as pessoas que andam de bicicleta. Ciclistas devem se cumprimentar quando se cruzam nas ruas, deixar extravazar o prazer que estão sentindo invadidos por endorfinas criadas pelo esforço físico e pelo andar numa velocidade em que se pode admirar a paisagem e as pessoas. A revolução ciclista é lúdica! A bicicleta é um brinquedo de criança que se transforma em prazer e opção de transporte para o adulto.

Existem muitos motoristas e muitos momentos propícios ao descuido com a bicicleta no trânsito, à sua não consideração. E basta um momento desses para levar a vida do ciclista embora. Sendo assim, o cuidado do ciclista consigo mesmo, deverá ser maior do que o normal. Porque é normal um automóvel entrar à direita e fechar a passagem da bicicleta; é normal um motorista se irritar por não conseguir ultrapassar rapidamente um ciclista; é normal que numa pista simples de mão dupla uma motocicleta ultrapasse perigosamente um automóvel e não considere o fato desse automóvel estar ultrapassando uma bicicleta e é normal que o motorista dê espaço à motocicleta e feche a passagem da bicicleta; é normal muitos motoristas em muitos momentos cotidianos, estarem distraídos no trânsito e nem enxergarem a bicicleta.

O desejo de maior cuidado do ciclista consigo mesmo se alimenta do aumento de sua auto-estima ao estar pedalando. Ele deve se lembrar que é um revolucionário revolucionando a cada volta das rodas de sua bicicleta sobre o chão, os costumes e as atitudes, no sentido de construir um planeta melhor para as futuras gerações. Quem deve ter a maior consciência ideológica, ter orgulho de si e certeza da força de sua ação é, em primeiro lugar, o próprio ciclista.

Pelo código de trânsito, o lugar do ciclista é na mesma mão dos automóveis, à direita, procurando ceder espaço para ser facilmente ultrapassado. É exatamente essa a estratégia de ocupação do terreno: pelas beiradas do sistema estabelecido. Não importa a aparente desvalorização que esse lugar possa parecer ter no universo de potência e velocidade promovido pelas indústrias automobilísticas. Transportar-se movido por energia própria abre a possibilidade de satisfação pessoal fora da ostentação material e da competição. Também é lugar do ciclista o centro da pista ao perceber-se em velocidade equivalente à do fluxo de trânsito. E, finalmente, é lugar do ciclista ficar à esquerda dos automóveis ao ultrapassá-los - cena cada vez mais comum em engarrafamentos, além de ser o lugar certo de quem ultrapassa, evita ser pego por uma porta aberta de repente por um passageiro que vá descer.

Os automóveis devem dar preferência para o ciclista, não só porque isso está previsto no código, mas pela compreensão de que o ciclista gasta energia física e cada vez que se vê obrigado a parar, perde toda energia que gastou para chegar até aquela velocidade em que estava trafegando. As bicicletas devem ser ultrapassadas a uma distância segura, não só porque isso está previsto no código, mas porque seu movimento é oscilatório. Se o ciclista tentar andar em linha reta ele cai. A oscilação é intrínseca ao equilíbrio em duas rodas, quanto menor a velocidade maior a oscilação, exatamente como ocorre com o giro de um peão. Respeitar a distância de ultrapassagem é fundamental quando se entende que ao mais leve toque de um automóvel, o ciclista perde o equilíbrio e as conseqüências podem ser fatais. O motorista deve ter calma para ultrapassar um ciclista que trafega à sua frente porque o ciclista não está parado, mas andando em velocidade menor. E sempre haverá um veículo à frente trafegando em velocidades menores, sejam caminhões, ônibus ou carros e se o motorista for ter um colapso nervoso cada vez que alguma coisa diminui sua marcha ou que gasta um pouco de tempo para ultrapassar de forma segura, ele vai acabar louco!

Lugar de bicicleta não é na calçada, como pensam equivocadamente algumas pessoas. Calçada é para pedestres. Lugar de bicicleta é na rua! As ruas e avenidas, cobertas de asfalto – subproduto de petróleo, são o palco da revolução ciclista. As bicicletas podem e devem ocupar as ruas e avenidas, quanto mais melhor. As bicicletas podem e devem ocupar as estradas, quanto mais melhor. Existem milhares de jovens cheios de energia, com muito desejo de viajar, conhecer lugares, mas sem viabilidade financeira para tal. Retirados os custos de transporte e estadia sobram basicamente os de alimentação diária que existem estejamos onde for. Pensem na mistura desses ingredientes: bicicleta, com bagageiro e alforjes (ou mochilas velhas amarradas), barraca, saco de dormir, um kit de manutenção básica (que cobre 90% das encrencas que podem ocorrer) com câmera de pneu, bomba, um pequeno jogo de ferramentas, uma corrente e óleo lubrificante, um mês de férias e um grupo de amigos! Uma viagem de bicicleta, onde percorremos cerca de 100 Km por dia, que permite montar um roteiro interessante em todas as direções que se deseje ir, pode ser cumprido numa média diária de 5 horas pedalando por qualquer ciclista amador que ande de bicicleta nos fins de semana ou já esteja pedalando pela cidade há algum tempo. Manter uma velocidade média de 20 Km/h numa estrada asfaltada, não requer grande esforço e é considerada bem baixa por quem viaja sempre de bicicleta. O condicionamento físico vai crescendo, junto com o prazer, na própria viagem. Na verdade numa viagem assim não se priorizam as metas de distância, fica-se onde quiser, por quanto tempo for. Andando de bicicleta, a velocidade permite admirar detalhes da paisagem que são perdidos por quem viaja de carro. Viajar de bicicleta é delicioso! E atenção comerciantes de pequenas cidades e de beira de estrada de todo Brasil, viajar de bicicleta dá uma fome! E mais: deu qualquer problema, deu preguiça, acabaram as férias e você está a centenas de quilômetros de casa? – basta pegar um ônibus e colocar a bicicleta no bagageiro. Quando chegar em sua cidade, já tem condução própria da rodoviária até sua casa.

É importante destacar que a maioria das pessoas acha que o problema de segurança da bicicleta se resolve com a construção de ciclovias. Acontece, porém, que apesar de serem muito bem vindas (principalmente para servir de espaço seguro para os novos ciclistas adquirirem preparo físico, o que ajuda muito no enfrentamento do trânsito nas ruas) por serem oásis de tranqüilidade, não são somente ciclovias que queremos! Porque toda ciclovia sempre acaba numa rua e, se não houver uma cultura de convivência pacífica entre bicicletas e veículos automotores, vai ser ali, na rua, que o acidente vai acontecer. Não são somente ciclovias que queremos porque não podemos e não precisamos esperar a boa vontade de governos que estão submissos à força econômica da indústria automobilística para iniciarmos nossa revolução cotidiana. Não precisamos!

Cerca de 20% da população tem a possibilidade de comprar e manter automóveis, mas 100% da população é afetada pelo direcionamento da arquitetura urbana para priorização do trânsito de automóveis e todos pagam os impostos que constroem as vias por onde eles transitam. A bicicleta é uma forma de democratizar a malha asfáltica, diminuir essa diferença.

A experiência européia, onde se encontram os países que tem o maior número de ciclovias do mundo, nos mostra que a construção de ciclovias não diminuiu muito o número de acidentes entre automóveis e ciclistas que acontecem nas ruas.

A experiência da China, onde se encontra o maior número de bicicletas andando nas ruas e onde o índice proporcional de acidentes entre automóveis e bicicletas é o menor do mundo, nos prova que não só a convivência harmoniosa nas ruas é possível como faz muito bem para economia de um país. Mostra também que num país onde muitos andam de bicicleta o mercado de automóveis se mantém aquecido.

Da China veio o conceito de “Massa Crítica”. Nasceu da observação de um fenômeno que ocorre com o fluxo das bicicletas nos cruzamentos. Ao chegar a um cruzamento, caso o fluxo esteja aberto para via que se deseja entrar, a bicicleta que chega, pára e espera. Outras bicicletas vão chegando e parando, formando uma massa de espera. Quando essa massa atinge um ponto crítico, ou seja, quando o volume de bicicletas paradas supera as que estão em trânsito, a “massa crítica” formada invade a via principal e estabelece uma nova ordem de fluxo. Quando a massa formada pelas bicicletas que vinham no outro sentido e passaram a esperar, chega também ao seu ponto crítico, inverte novamente a ordem de fluxo. E assim por diante. Esse fenômeno é auto-gerido, acontece naturalmente.

Transcendendo o conceito, o termo “Massa Crítica” ou “Critical Mass” dá, hoje, nome ao movimento mundial que busca unir a força de todos os ciclistas na formação de uma grande massa crítica (acrescendo ao significado: pessoas com opinião crítica sobre a situação gerada pelo consumo alucinante de petróleo) que está invadindo naturalmente as ruas do mundo inteiro.

O movimento de formação da Massa Crítica é, até que enfim, a esperança de um mundo melhor construído com ações diretas. O resgate do orgulho pessoal de estar fazendo algo concreto contra o sistema capitalista, mas sem gerar violência. Enfim, uma possibilidade real de revolução social se concretizando a cada revolução da roda de uma bicicleta. A opção possível de transformar a revolta contra o aquecimento global e a devastação consumista do nosso planeta em atitude, saúde e prazer.

A bicicleta é, sem dúvida, o veículo do séc. XXI. Nós só estamos no começo dessa história.


Leia mais:

Atropelar Ciclista deve virar crime - clique aqui

Bicicleta Branca em SP ( clique nos números): [ 1 ], [ 2 ], [ 3 ] e [ 4 ]

Manisfesto Ciclista, - clique aqui

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4 comentários:

Anônimo disse...

"2/3 da humanidade que vivem na miséria;
1/3 que nada comem;
Os shows sindicais reuniram quase 10 milhões de trabalhadores..."

De onde você tirou este números? Cadê as fontes?


Mas o manifesto é muito bom! Inspirador!

PEDALANTE disse...

Escolha a alternativaque vc desejar :

a)Poderia citar a ONU...
a)Talvez um Cientista Social Tupiniquim ( E. Sader);
c)Talvez os dados públicos do IBGE...
d) todas as alternativas anteriores

Anônimo disse...

Segundo a ONU a pobreza extrema é definida como uma renda inferior a um dolar por dia por pessoa. Ainda segundo a ONU, em 2004 o número nesta faixa de renda era de 980 milhões. Mesmo no Brasil os dados mostram que apenas cerca de 15% da população tem este nível de renda. Não que isso seja pouco!

Os número que vejo na web falam de cerca de 900 milhões de pessoas que passam fome. Muito menos que um terço da humanidade. O que, volto a dizer, ainda é muito!

Os Shows não levaram nem 1 milhão de pessoas em São Paulo(avaliação da imprensa em geral e da policia). Parece que o frio realmente afastou o pessoal.

Relaxa, que minha crítica foi construtiva. :-)

Abraços ciclísticos!

PEDALANTE disse...

Sim, a dança dos números.

Eu falo em miséria , vc fala em miséria absoluta;
Os 10 milhões de trabalhadores, são números dos prórpios dirigentes sindicais ( acredito eu que inflados), mas para uma massa trabalhadora de mais de 100 milhões de brasilerios, é uma questão "significativa", esses números.

toda a crítica é bem vinda, principalmetne, bem fundamentada. Já acompanho, suas mensagens, aqui e em outros blogs. Sempre pertinetnes.
Abraços